sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Processo dos Comandos da Amadora (RetroNew)

Militares acusados de contactos com o PCP no apoio à tentativa de saneamento de Jaime Neves em 1975

Três anos após os rumores, ocorridos a 30 de Julho de 1975 na Amadora, de que “algo de muito grave do ponto de vista militar com acentuada conotação política havia ocorrido no interior do quartel do Regimento de Comandos”, alguns oficiais e sargentos que ali prestavam serviço em Agosto de 1975, deram entrada sob prisão, na Casa de Reclusão da Trafaria. Segundo o relato do jornal “A Capital” de 27 de Novembro de 1978, os militares são acusados de estar envolvidos na tentativa de saneamento de Jaime Neves com o apoio do Partido Comunista Português (PCP), que no pós 25 de Abril de 1974, se tentou introduzir no seio político-militar numa tentativa exacerbada de dominar o poder do país.

O matutino “Primeiro de Janeiro” de 25 de Novembro de 1978, noticia que no libelo acusatório indica que os réus tinham ligações com o PCP e em particular com Álvaro Cunhal, de quem teriam o apoio para sanear alguns oficiais do Regimento de Comandos da Amadora, nomeadamente o seu comandante, Coronel Jaime Neves. O que alegadamente terá despoletado a hostilidade para com Jaime Neves, como refere “A Capital”, terá sido o boato que circulava no quartel dos comandos de que o dito comandante preparava um alegado “golpe reaccionário”, o qual teria por finalidade “a eliminação física do então primeiro-ministro, General Vasco Gonçalves”. Ainda de acordo com o libelo citado pelo matutino do Porto, o boato originado a 30 de Julho de 1975, veio a traduzir-se em afirmações concretas de alguns oficiais e sargentos presumivelmente implicados. Naquele dia, 30 de Julho de 1975, terão havido combinações no sentido de barrar a entrada do comandante no quartel. Ainda no mesmo dia ter-se-á comunicado que Jaime Neves dissera na Messe de oficiais que “matava todos os comunistas”, e que por isso era necessário “falar com os camaradas de confiança, alertando-os de que não saíssem do quartel sem a confirmação do Comando Operacional do Continente (COPCON)”, esclarece o “Primeiro de Janeiro”. Este jornal refere ainda que tais boatos se foram avolumando, chegando a dizer-se que a Polícia Militar e a Escola Prática de Cavalaria viriam atacar o Regimento de Comandos. É mencionado também naquela peça do processo, que nessa mesma tarde, do dia 30 de Julho de 1975, terá havido contacto com o comandante da Polícia Militar, que terá aconselhado os membros daquela instituição a não abandonar a unidade.

Consoante as acusações terá existido o contacto de um dos oficiais com a sede do PCP na Amadora, para “dar conhecimento às massas populares do que se estava a passar”, isto é, de que Jaime Neves “se preparava para fazer um golpe contra-revolucionário”. O dirigente local do PCP teria respondido que o assunto devia ser tratado na sede deste mesmo partido, nomeadamente com o Secretário-Geral, Álvaro Cunhal.

Na sequência dos acontecimentos, reporta o “Primeiro de Janeiro”, e baseando-se no referido libelo terá sido estabelecida na delegação local do PCP, uma senha e uma contra-senha para reconhecimento pelos militares dos civis intervenientes. Ainda de acordo com o dito libelo acusatório, esta acção traduzia-se na formação de grupos de civis armados apoiando os militares na ocupação da unidade, sendo decretada a proibição da entrada do comandante.

Na madrugada do dia seguinte, Jaime Neves aproximou-se da porta de armas, tendo-lhe sido vedada a entrada. Conforme a acusação este é informado por um dos capitães, que terá assumido o comando da unidade na qualidade de oficial mais graduado. Informa ainda, que o segundo comandante e alguns oficiais e sargentos teriam sido presos. No dia 1 de Agosto de 1975, Otelo Saraiva de Carvalho, Comandante do COPCON, dirigiu-se ao quartel dos comandos a fim de marcar uma Assembleia de militares do Regimento, à qual compareceriam os militares propostos para afastamento. Foram constituídos réus 21 militares, mais especificamente quatro oficiais do exército, um sargento e 16 furriéis, que eram acusados de 134 crimes praticados no período compreendido entre 11 de Março e 25 de Novembro de 1975. Os militares estiveram em prisão preventiva, no ano de 1978, durante nove meses sem nunca terem sido ouvidas as suas declarações.

A situação caótica que se vivia em Portugal no decurso do Processo Revolucionário em Curso (PREC), só culminou com o 25 de Novembro de 1975, que se tratou de um golpe militar que pôs fim à influência da esquerda militar radical no período revolucionário pós 25 de Abril de 1974. Este contra-golpe foi levado a cabo pelos militares da ala moderada, na qual se enquadravam Vasco Lourenço, Jaime Neves e Ramalho Eanes. Consequentemente, o almirante Pinheiro de Azevedo permaneceu no poder enquanto primeiro-ministro do VI Governo Provisório e demitiram-se alguns militares, entre os quais Otelo Saraiva de Carvalho. O 25 de Novembro traduziu-se militarmente naquilo que a nível político se vivera no “Verão Quente de 75”, período conturbado caracterizado por uma certa anarquia no Governo, Forças Armadas e sociedade em geral.

Somente dez anos mais tarde, em 1985, é que os “opositores de Jaime Neves” foram absolvidos no Tribunal de Santa Clara, na base de que a acusação “formulada em última instância no recurso do Supremo Tribunal Militar” era “improcedente e não provada”, como foi publicado no “Diário de Lisboa” de 18 de Junho de 1985. Ainda nesta edição é referido que “os militares que participaram no movimento de 30 e 31 de Julho de 1975 não intimidaram qualquer superior nem tão-pouco atentaram contra a ordem instituída, pois não procuraram assumir a chefia da unidade que imediatamente delegaram num representante da cadeia hierárquica (…)”.

NOTA: O meu pai foi um dos militares envolvidos no processo. A 'Retronew' é baseada em recortes de jornais da época.


José Luís Torres, o meu pai - Furriel dos Comandos.

 

4 comentários:

  1. Olá também me chamo Inês, também sou filha de um comando, o meu pai também esteve na Trafaria! Tenho alguns dados e recortes da época que gostaria de juntar com o que possas ter. Acho que chegou a altura de fazer a merecida homenagem aos homens que pagaram pela loucura do sr. Jaime Neves. Gostaria de ver reconhecido o valor e altruismo destes Homens. O meu pai já faleceu há 26 anos era o 1º Sarg. Caracol Branca.

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    1. Olá Inês!Estive ausente do blog durante algum tempo...a informação aqui presente é toda baseada em recortes de jornais da época que a minha mãe guardou (tudo o que tenho está aqui reunido). O meu pai também já não está entre nós :(

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  2. Olá,quase por acaso descobri esta página,e foi com alguma emoção que li esta página,porque fui um dos furriéis que participou neste acontecimento,e companheiro do Torres e outros camaradas,na Trafaria,mas foram mais de 9 meses,eu fui um dos que estiveram menos tempo,mas assim foram 10 meses,e o Torres foi dos que esteve mais tempo,pois ainda esteve uns meses em Caxias.Mas são àguas passadas:É com muita tristeza que vejo que o 1º sargento Branca faleceu.
    Se for possível,gostaria de mandar um abraço ao Torres,velho companheiro de armas.Eu era o furriel Carita Pereira

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  3. Olá, é para mim um prazer ter - ao acaso - tocado outras pessoas envolvidas no acontecimento. Infelizmente, o meu pai (Torres) também já faleceu há quase uma década...Mas, fica o abraço esteja onde estiver...

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