Acordaria cedo, cercada de granito e de aromas transmontanos aos quais não estou habituada. Olharia pela janela e ver-me-ia rodeada de aglomerações rochosas, de paisagens em tons de terra e musgo, adornadas por vinhas inculcadas em horizontes altivos e nobres. Depois veria o solo insípido pelas chuvas impetuosos já previstas para as regiões Norte, e dar-me-ia ao luxo de inalar o delicioso e inigualável bálsamo da terra molhada. Nisto, uma torrente de prazer lavar-me-ia a alma corrompida pelos malogros citadinos e, eis que, uma vaga de satisfação me repararia o espírito debilitado. Com um novo alento, abandonaria o meu crepuscular covil e, embevecida, receberia o esplendor da aurora. Apesar do temporal, não hesitaria, e iria sentir tudo aquilo mais de perto. Abriria a porta e sentiria a brisa de tudo aquilo, o genuíno cheiro de Trás-os-Montes!Desejaria, com ganância, agarrar toda aquela essência e perpetuar aquela brisa em mim. Esquecer-me-ia propositadamente do guarda-chuva (aqui mais conhecido por “chuço”) e permitiria que as frias “lágrimas de céu” me arrepiassem a pele. Percorreria todos os rústicos becos, todos os caminhos de cabras, sujaria a roupa de lama, ouviria as vozes da montanha contar-me estórias com a sua peculiar pronúncia e deliciar-me-ia com o sabor da tradição. Não me esqueceria de comer o doce de abóbora a que chamam “doce de calondro”, nem dispensaria uma “malga” de caldo verde cozinhado na antiga panela de ferro, o famoso “pote” da "tia" com nome de flor que ostenta um aceso e sincero sorriso de um só dente.Ao invés disso, alvoreci dominada pela “Teoria do Caos” e com uma enorme vontade de aniquilar a borboleta que terá batido as asas na “Cochinchina”, a fim de me provocar um furacão existencial! Levantei-me, melancólica, movida pela mesma amargura do costume, com a mesma fraqueza nas pernas e com as lamúrias de sempre. Então, abri a torneira e passei água na cara, tomei a “pílula mágica”, vesti-me e saí para tomar o pequeno-almoço. Dirigi-me a uma pastelaria local e, para não variar, pedi um croissant e uma Ucal fresca. Seguidamente, fui a um shopping tomar um café e comprar o jornal. Sem demora, regressei a casa e fui beber as palavras inscritas no “Expresso” ao som de “Muse”. Assim, refugiada na segurança da rotina, deixei para trás tudo aquilo que podia ter feito e não fiz…
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