domingo, 7 de julho de 2013

É só um pombo lá no Alto (de São João)!



Pelas quietas ruas lá do Alto

Atravessei um calor tórrido

De Verão e crematório…

Que nem sepulcros arrefecem

Torrentes nos poros,

Pele escaldada,

Secura na boca…

Dispersa num reino silencioso

Calado, sem respostas…

Defuntos aos molhos

Arquivados,

Embutidos,

Fechados a sete chaves …

(Para não fugirem?)

Meros restos mortais.

Pois almas não se engavetam!

(Nem ardem no forno)

Os Torres reduzidos a um número?

- Nunca!

Mesmo recusando, procurei…

Segui os dígitos

Assentes no bloco de notas

Para não decorar!

Tornou-se labiríntico,

Redundante e caótico!

- Torres!

- Onde estão?

Então, olhei para cima

Pousou um pombo em sossego

(É só um pombo lá no alto, pensei.)

E abaixo das suas patas vi um número

Correspondia.

Acaso?

Ilusão?

É um pombo no Alto (de São João)…



sábado, 29 de junho de 2013

Pensamentos de alpendre...

São aves noctívagas

Que rompem a amena brisa,

Numa vigília sideral

De aroma a alfazema e rosmaninho

São devaneios índigo,

Sonâmbulos e deambulantes...

Vagueiam num limbo

não acordam, nem adormecem

Pensam a sonhar,

Sonham a pensar...

Sonhos reais,

Realidades sonhadas…

Universos aqui e além

Imersão de lua

Quietude tão inquieta

A noite não dorme!

Debaixo das escuras saias

Escondem-se segredos

Deliciosos silêncios!

A mente voa…

E volta ao alpendre.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

México: Um país com “mucha sal”


Já que hoje – como em muitos outros dias – estou numa onda “México Amigo”, deixo aqui umas palavras calorosas, pintadas e bordadas em tons quentes. É assim que vejo o México: pitoresco, quer pela sua paisagem, quer pela forma como as gentes se trajam e enfeitam ou como ornamentam as casas e as ruas.

Quando penso nesta região do planeta é como se estivesse sob o efeito da mescalina, extraída de um qualquer cacto por uma tribo indígena. As cores acentuam-se, os sentidos apuram-se ao ponto de experimentar o sabor e o aroma do azul, do amarelo, do verde, do laranja ou do violeta. O ritmo faz-me dançar sem ser preciso tirar os pés do chão e a minha alma flutua ao compasso da quimera vestida de paisagens idílicas e inspiradoras, sempre em modo colorido!

As flores mais exóticas multiplicam-se nos campos, nos vasos, nas roupas, nas texturas, nos artefactos, nos cabelos e os céus tingem-se de aves e borboletas que se mesclam num matiz miraculoso. Até a morte se enfeita com altares floridos e se celebra com a comida, a música e os doces preferidos dos mortos. As caveiras de açúcar são autênticas obras de arte! (O “Dia de los Muertos” é uma das festividades mexicanas mais animadas pois, segundo se crê, os entes falecidos vêm visitar os seus parentes).

Tudo é diverso, tudo se mistura, os povos são mestiços, a cultura tem variações que se fundem e os costumes completam-se. Os aromas e os sabores vão do doce ao picante, do chocolate ao chili, ou mesmo à sua ligação agridoce. Na alegria e a na tristeza, está sempre presente um copo de tequila, com limão e “mucha sal”!

Por toda esta multiplicidade e este tempero, identifico-me com este país e, estou certa, que muitas das coisas nas quais me inspiro no dia-a-dia trazem um pouco de México e de Frida Kahlo, a pintora que tão bem representa a cultura popular mexicana.


 






quinta-feira, 20 de junho de 2013

Metamorphosis


«O sábio pode mudar de opinião. O ignorante, nunca.» - Kant

Mudar de opinião não é fraqueza, nem desonra, nem falta de carácter e tampouco um distúrbio de personalidade ou um qualquer transtorno psicológico.

Antes pelo contrário!

Mudança – por si só – pressupõe algo de positivo, quando realizada com a devida ponderação, é evidente. Prevê uma transição para alguma coisa melhorada e é o ponto de partida para a evolução. No caso específico da opinião, esta terá que ser feita com base na sensatez e sempre ouvindo a voz interior.

A borboleta passa por várias mutações para se aperfeiçoar e se tornar, de facto, numa borboleta. Se esta se fechasse à metamorfose não seria mais do que uma larva. Se pretendemos – tal como a borboleta – ter asas e ser livres, então não nos podemos acorrentar a ideias concebidas, concepções imutáveis, juízos absolutos e irrevogáveis.

Claro que há princípios e valores que não podemos desprezar (fazem parte da nossa bagagem e são referências fundamentais sobre quem somos), mas daí a sermos tão rigorosos ao ponto de não fazer patavina que contrarie a nossa inquestionável “bíblia” de opiniões, chega a ser absurdo.

Defender um ideal é legítimo, acreditar nisto, naquilo ou naqueloutro é igualmente válido. No entanto, nada é tão perene assim e a nossa mente é um turbilhão de pensamentos que acompanha a agitação feroz dos tempos, os factos do quotidiano, com toda a sua imprevisibilidade e, ainda, as diferenças com as quais temos de lidar, já que não estamos sós no planeta.

Não podemos esquecer que se temos as nossas opiniões, os outros também as têm. É um direito de todos e o dever de cada um – enquanto indivíduo civilizado – é admitir essa multiplicidade, sem ver uma ideia divergente como uma afronta pessoal. Ninguém é dono da razão e o egocentrismo exacerbado é o grande inimigo das relações humanas. Desta forma, tolerar, perdoar ou simplesmente coexistir torna-se impraticável e o mundo não pula nem avança, como no poema de António Gedeão.

Mudar de opinião é, por isso, sinal de inteligência e, sobretudo, de coragem: a coragem de enfrentar a sociedade e os seus julgamentos, acabando rotulado de estúpido, tolo e desleal. Um ser rejeitado pela sua elasticidade, mas feliz. Afinal, adaptar não é mais senão evoluir!

Façamos, então, um favor a nós mesmos e desconstruamos, um pouco que seja, o mundo chato de "ideias-decreto", e caminhemos para a nossa metamorphosis!


terça-feira, 18 de junho de 2013

Formiga rebelde

Formiga rebelde

Abandonaste o carreiro

Proletária, otária!

Não vales o meu dinheiro!


Dizia a rainha do formigueiro,

De certa obreira rabiga

Que trabalhava o dia inteiro

Mas não enchia a barriga


Pata-de-obra ao desbarato

A formiga ganhou catarro

Foi até ao sindicato

E livrou-se do amarro

Pagar para trabalhar

É a frustração da formiga

Suportou sem contrariar

Agora, já não vai na cantiga!




Não somos mais do que húmus!


[Humildade vem do latim humus que significa "filhos da terra"]


Coloquei-me sob a terra

Fiz-me húmus

Debaixo do solo tudo é autêntico…

Tudo é fértil e nutritivo,

Putrefacção converte-se em vida!

Aqui tudo germina sem artifícios

Então - enquanto comum dos mortais - sugiro:

Desçam ao nível do chão

Agora, olhem para cima

Sem soberba,

Sem hipocrisia

Vejam a vossa exiguidade!

Os outros são análogos

Nem maiores, nem menores

Mas, do mesmo tamanho.

Conseguem ver?

Somos da terra e não das nuvens!

Não somos humildes se negarmos o solo

De onde viemos, para onde vamos.

Essa “humildade” - tão em voga - é falsa!

É só uma palavra de circunstância

Aplicada por conveniência ou pretensão…

Não é pura e nada produzirá que valha a pena!

Por isso, parem de fabricar compostagem postiça!

Somos seres errantes

Não somos Cristos ou Ghandis

(Esses eram, de facto, humildes!)

Nós precisamos, no mínimo, de ter consideração e respeito pelo próximo e por nós mesmos!

Só assim podemos crescer e evoluir, como uma boa semente…


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Almas Duplas

Finura na face
Semblante alongado
Feições de uma elegância forçada
Uma postura que se retrai e se resguarda
Debaixo de uma burca imposta...
Por um puritanismo mentiroso
Falsa decência,
Falsa naturalidade,
Falsa ingenuidade…
Valores contrafeitos!
Palavras contidas,
Gestos e costumes meticulosos
Que causam perigosa admiração
São como certas flores
Delicadas,
Inofensivas a olho nu
Porém, as mais venenosas!
Encontrei algumas assim…
Quis colhê-las,
Quis cheirá-las…
Deixei-me iludir…
Vivi um encantamento fugaz
Até que certo dia…
Acordei da inércia do crer
E ainda meio entorpecida
Destapei o véu do equívoco
E vi que não existem almas verdadeiras
Existem almas socialmente correctas…
Almas duplas que se constroem com um único propósito: o de enganar.
Enganar o outro e a si mesmas.